domingo, 22 de setembro de 2013

Canção sem metro- Conclusão


 Raul Pompéia escreveu Canções sem Metro. Ele é o precursor do verso livre no brasil, onde dominava a métrica parnasiana. Os poemas em prosa foram escritos a partir de 1883, em publicações periódicas. São 33 textos e em todos há epígrafe de um poema,  como o de Dante, Baudelaire, Shakespeare, Victor Hugo e muitos outros.
A última canção sem metro intitula-se "Conclusão".

Epígrafe de um poeta e teatrólogo francês de 1202

 
No mundo cada criatura,
Como que livro e pintura, É para nós espelho!
Da nossa vida, nossa morte,
Nosso estado, nossa sorte
Um símbolo fiel.
 
                           “Conclusão”:
Estrela, nuvem - nuvem que passa, estrela que arde.

Sobre o céu eterno destaca-se bem a antítese destas criações

diversamente efêmeras do Mistério. Supremo ensino das

cousas!

Em vivo contraste, sobre o fundo obscuro do tempo

intérmino - a nulidade real dos múltiplos aspectos

cambiantes das existências.

O céu, como uma fábula, tem esta moralidade.

Canção sem metro- A Noite

A Noite



... le ciel
Se ferme lentement comme une grande alcôve,
Et l'homme impatient se change en bête fauve.

C. Baudelaire

Chamamos treva à noite. A noite vem do Oriente como a luz.
Adiante, voam-lhe os gênios da sombra, distribuindo estrelas e pirilampos. A noite, soberana, desce. Por estranha magia revelam-se os fantasmas de súbito.
Saem as paixões más e obscenas; a hipocrisia descasca-se e aparece; levantam-se no escuro as vesgas traições, crispando os punhos ao cabo dos punhais; à sombra do bosque e nas ruas ermas, a alma perversa e a alma bestial encontram-se como amantes apalavrados; tresanda o miasma da orgia e da maldade — suja o ambiente; cada nova lâmpada que se acende, cada lâmpada que expira é um olhar torvo ou um olhar lúbrico; familiares e insolentes,dão-se as mãos o vício e o crime — dois bêbedos.
Longe daí a gemedora maternidade elabora a certeza das orgias vindouras.
E a escuridão, de pudor, cerra-se, mais intensa e mais negra.
Chamamos treva à noite — a noite que nos revela a subnatureza dos homens e o espetáculo incomparável das estrelas.