quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Conto Eugênia de Carlos Rosa Moreira

Carlos escreveu Eugênia, criando e construindo personagens com detalhes sutis. Apresenta-nos aos poucos, a personalidade de cada um. Faz isto com maestria , motivo pelo qual, lemos seu conto direto, sem parar nem um pouco pois ele nos prende a atenção. Logo no início, um "corcundinha" antenado fala para o moço: "...Num faz isso, moço!" Num outro momento: "O corcundinha me fitava. Havia nele a tristeza de gerações." Para logo em seguida trazer Astênio que comenta sobre o suicídio: "Por que o senhor precisava da pedra? A corda presa à arvore não deixaria chegar ao mar." Astênio, "o corcundinha", tem mãe bonita e jovem, comenta o ex suicida, que agora já pode lhes contar sua história de vida.
 Quem é Eugênia? Onde Mora? O que faz? Tem mãe? O narrador então diz:
" Foi numa tarde cinzenta que eu a vi." E neste momento tenta decorar o poema "Seus olhos"
que presumo sejam os olhos de Gonçalves Dias.

                                                                     "Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
                        De vivo luzir.
                                                                    Estrelas incertas, que as águas dormentes
                                  Do mar vão ferir:"...

 Sinto que o autor descarrega em Eugênia grande carga libidinosa, que a faz preferida para o sexo pelos garotos de sua rua e faz seu namorado tão cuidadoso e reservado. A mãe de Eugênia, também se mistura aos outros neste conto ao mesmo tempo, trágico e lúdico. Explico: Trágico porque segundo penso, um dos personagens, o filho, não pede para a mãe que quer fazer sexo. Nem ponderou sobre isso, nosso autor do conto. A mãe sim, quer que o filho doente com os dias contados, tenha esta experiência e lhe dá seu corpo. Este gesto amoroso da mãe. foi criado pelo autor  com muita propriedade.
Quanto a farra sexual dos garotos com Eugênia, tão bem engendrada por Carlos Rosa, põe até o namorado dela na espreita a acompanhar toda aquela movimentação.
 Carlos como que toca em nossas convenções.  Ele nos instiga e nos faz pensar.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Luiz Calheiros- A Marca de uma Vingança

Conhecia o simpático Calheiros da geração 80, não da turma das artes plásticas, mas de um  outro grupo de pessoas que com dedicação e entusiasmo, trabalhava reunindo inúmeros casais num chamamento à "reciclagem"...
 Éramos uma turma animada, alegre e nos empenhávamos nessa tarefa. Aquela dedicação ao trabalho é coisa de não se esquecer jamais!                                                                                    
Passados tantos anos, volto a me encontrar com Calheiros que , agora sim, faz como eu, uma reciclagem nas artes, num evento no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Encontro um Calheiros, falante, muito bem disposto e feliz. Passado mais um tempo eu o vejo entre seus pares escritores, no encontro semanal em frente ao Cinema Icaraí. Foi uma surpresa! Calheiros é um excelente escritor! Já publicou-Dívidas de Amor, em 1995- Acordo Final em 1998- Dança das Faces em 2002, Fazenda Liberdade em 2008 e mais este que agora leio- A Marca de uma Vingança lançado em 2010. Confesso que não sabia de mais este talento do amigo. Às voltas com tantas coisas a se fazer pelo outro, nem mesmo nos lembrávamos de perguntar- E aí, como está sua produção? Como vai sua arte?- não havia este espaço que hoje se revela tão prazeroso!
 Calheiros , esse gentil jovem/senhor, é um senhor escritor! Ele nos enreda pelo labirinto das pistas falsas, palavras ardilosas e nos instiga a prosseguirmos com a leitura, na busca de desvendar o mistério tão bem "arquitetado" na trama de sua obra. É claro que não vou contar quem matou Mirna Parker mas digo que vale ler este livro de Calheiros. Parabéns amigo!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A caixa-preta obra de Amós Oz


Correspondência entre Ilana e Alex permeada de queixas e paixão. O autor nos envolve com sua instigante história de amor, ódio, culpa e melancolia. Os filhos  nesta trama são levados de um lado para o outro ou largados, abandonados e excluídos. Como Saramago em seu livro O Evangelho segundo Jesus Cristo, Amós na Caixa-preta, também faz alusão a obra do artista plástico Albercht Dürer...
        "Nas catacumbas da sua imaginação, como num quadro de Dürer, certamente você me atirou nos 
        braços dele. E nos assassinou com seu punhal. Pobre e miserável Alec."p.144  
Ilana  sofre com o preconceito às mulheres e sua auto crítica a faz responsável pelo fracasso. Ela se acusa, sofre, tenta suicídio. Tem necessidade de se castigar. Diante dos conflitos de sua vida, foge e quer se entregar ao ex marido, ao atual, aos dois ou caso isto não dê certo ela sairá pela vida na tentativa de dar amor para outros. Esta é a forma que conhece para suprir seus afetos.               
   A pretexto de cuidados com o filho, Ilana após seis anos de separação do marido, escreve cartas querendo ajuda para reintegrar o garoto que apresenta comportamento estranho e não quer saber da própria mãe. O poder do dinheiro dirige e modifica a vidas dessas pessoas que sentem-se atraídas por uma vida de conforto e benesses. Ilana ao casar-se novamente , repete a história de indiferença e abandono. Afinal o que quer esta mulher? Seu primeiro marido próspero e o outro fanático, quase que fazem, a seu modo, um percurso similar com relação ao casamento.
   Alex quer comprar afeto e Michel quer comprar e converter o mundo. O primeiro age impulsionado pela culpa e o a segundo pelo medo de um Deus que é juiz.  A mulher diz:
        " Não tenho nada com que contribuir. O que fazer se falhei em tudo Boaz. Falhei completamente. Só    que mesmo uma mulher que falhou, e até uma mulher que não é normal, é capaz da amar. Mesmo que seja         um amor infeliz."p.147
 Ilana tem gestos e atitudes, como os representados nas obras sacras de Dürer, onde as mulheres têm incapacidade de atingir a "perfeição" exigida pela vida. E quanto preconceito!
Ao criar uma das gravuras, Dürer retrata um anjo com as asas caídas, mas na espera, como que fazendo  uma pausa, para uma grande mudança. Ilana quer se transformar?
    O que pretende o artista ao criar tantas imagens religiosas? Por que é citado pelos escritores? Dürer, conscientemente, optou por dar uma nova interpretação do Evangelho e apresentava em suas obras situações públicas, de forma concreta e humana. Seus trabalhos são tidos como pregações através de imagens. Tanto Saramago quanto Amós, comentam sobre Dürer, porque também eles, trazem o novo na escrita, no sentido da ousadia e transgressão e o gravador/artista, torna-se uma bela e importante referência. A gravura ao lodo me lembrou Ilana desolada a escrever cartas na tentativa de exorcizar-se. É a "Melancolia" de Dürer. Boaz diz parra Michel, que também é pregador mas que faz uso da palavra:
     "Para sua informação as estrelas não dizem nada e com certeza não dão lição de moral, só fazem bem pra alma." p.197
   Ilana pergunta ao primeiro marido já doente e necessitando cuidados por que ele se divorciara dela.
Alex responde:
       "... dormiu com três divisões  e agora espanta-se por ter recebido o divorcio..."
   A Caixa-preta de Amós, me fez chegar ao sistema extra galáctico, através de uma rajada de milhões de estrelas. Confesso que não foi fácil juntar os papéis, livro, daqui e dali, mas, concluo, ao terminar este texto, que tudo foi proveitoso. No momento da abdução num relance vi o Saramago que tinha diante dele papel e tinta, mais nada. Só então entendi- se o autor tivesse falado de placa de madeira e goiva, estaria remetendo-nos a xilogravura. No caso de chapa de metal e buril, estaria referindo-se a gravura. Então era ele mesmo que fazia comentários sobre a obra de Dürer, no Evangelho...
 Ouvi até um comentário de que Dürer resolveu muito bem a situação de forma, espaço e volume, pois proporcionou perspectiva em suas obras. Transgrediu e inovou!
   Estou retornando mas não me sai da memória aquela ideia de que na Grécia antiga, os poetas (ainda bem) eram convidados para a mesa dos nobres. Lamentavelmente, jamais um artista que trabalhasse com as mãos, possuía esta regalia. Ele era um empregado, dormia em quartos da servidão e obedecia ordens ...
*Na Itália da Renascença, os artistas foram recebidos pelos nobres. Agora eles são considerados pessoas de bom trato. Puro interesse! Os nobres perguntavam-se: "como lembrarão de nós ? Quão pobres serão nossos túmulos, se neles não houver uma bela escultura?" Que venham os artistas!
* Walter Benjamim diz que a prostituta enquanto personificação da mercadoria,seria, a alegoria transformada em ser humano.
*Penso que seria Mallarme a dizer que fotografar nas catacumbas é, literalmente, escrever com luz no reino das trevas uma mensagem luminosa escrita pelas constelações nas trevas do tempo.
*Há um afresco do sec III, encontrado na catacumba de Santa Priscila, em Roma, onde Maria amamenta seu filho. Cena repetida exaustivamente por Dürer, que fez mais de noventa obras em várias técnicas, de Maria e Jesus.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Livro- O Evangelho segundo Jesus Cristo José Saramago

"...as roupas que vestia,velhas e esfarrapadas, se agitavam sacudidas por um vento que não se sabia donde vinha, e com este contínuo movimento se nos confundia a vista, a ponto de, em um instante, parecerem os farrapos finas e sumptuosas telas, o que só estando presente se acredita."p.23 era o anjo.
"De longe, sentado no meio das ovelhas e confundido com elas, o pastor olhava-o"p.155. o pastor era o diabo.
    Judas não recebeu moedas por sua traição. Na verdade, ele colaborou para que tudo se cumprisse conforme o planejado.  "Depois levantou-se, abraçou-o e beijou-o nas duas faces, Vai, a minha hora é a tua hora ." p. 368 e Judas logo logo retornou com os guardas e soldados que levaram preso Jesus.
    Maria humana e seu marido  se relacionam, mesmo que na Bíblia isto só tenha ocorrido após o nascimento de Jesus. Segundo o autor, Deus também colocou sua semente em Maria.p. 19.  Foi o anjo que anunciou  que ela seria mãe, sem a participação de homem, no caso José.
 Saramago ousado e criativo, conta  história bíblica (que todos conhecem,) só que o faz a seu modo.
    Madalena e Jesus têm um caso amoroso.
 "... um bem, mesmo que enterrado, não se perde, e um mal terá menos poder longe da vista."p 31
    Deus diz: "Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim..."
"...clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez."p.374
Jesus pergunta para Deus o que ele quer com a sua ajuda e Deus responde: "alargar a minha influência, a ser Deus de muito mais gente."p.309
Um Deus perverso que se utiliza de Jesus para expandir seu reino e seu nome?