Correspondência entre Ilana e Alex permeada de queixas e paixão. O autor nos envolve com sua instigante história de amor, ódio, culpa e melancolia. Os filhos nesta trama são levados de um lado para o outro ou largados, abandonados e excluídos. Como Saramago em seu livro O Evangelho segundo Jesus Cristo, Amós na Caixa-preta, também faz alusão a obra do artista plástico Albercht Dürer...
"Nas catacumbas da sua imaginação, como num quadro de Dürer, certamente você me atirou nos
braços dele. E nos assassinou com seu punhal. Pobre e miserável Alec."p.144
Ilana sofre com o preconceito às mulheres e sua auto crítica a faz responsável pelo fracasso. Ela se acusa, sofre, tenta suicídio. Tem necessidade de se castigar. Diante dos conflitos de sua vida, foge e quer se entregar ao ex marido, ao atual, aos dois ou caso isto não dê certo ela sairá pela vida na tentativa de dar amor para outros. Esta é a forma que conhece para suprir seus afetos.
A pretexto de cuidados com o filho, Ilana após seis anos de separação do marido, escreve cartas querendo ajuda para reintegrar o garoto que apresenta comportamento estranho e não quer saber da própria mãe. O poder do dinheiro dirige e modifica a vidas dessas pessoas que sentem-se atraídas por uma vida de conforto e benesses. Ilana ao casar-se novamente , repete a história de indiferença e abandono. Afinal o que quer esta mulher? Seu primeiro marido próspero e o outro fanático, quase que fazem, a seu modo, um percurso similar com relação ao casamento.
Alex quer comprar afeto e Michel quer comprar e converter o mundo. O primeiro age impulsionado pela culpa e o a segundo pelo medo de um Deus que é juiz. A mulher diz:
" Não tenho nada com que contribuir. O que fazer se falhei em tudo Boaz. Falhei completamente. Só que mesmo uma mulher que falhou, e até uma mulher que não é normal, é capaz da amar. Mesmo que seja um amor infeliz."p.147
Ilana tem gestos e atitudes, como os representados nas obras sacras de Dürer, onde as mulheres têm incapacidade de atingir a "perfeição" exigida pela vida. E quanto preconceito!
Ao criar uma das gravuras, Dürer retrata um anjo com as asas caídas, mas na espera, como que fazendo uma pausa, para uma grande mudança. Ilana quer se transformar?
O que pretende o artista ao criar tantas imagens religiosas? Por que é citado pelos escritores? Dürer, conscientemente, optou por dar uma nova interpretação do Evangelho e apresentava em suas obras situações públicas, de forma concreta e humana. Seus trabalhos são tidos como pregações através de imagens. Tanto Saramago quanto Amós, comentam sobre Dürer, porque também eles, trazem o novo na escrita, no sentido da ousadia e transgressão e o gravador/artista, torna-se uma bela e importante referência. A gravura ao lodo me lembrou Ilana desolada a escrever cartas na tentativa de exorcizar-se. É a "Melancolia" de Dürer. Boaz diz parra Michel, que também é pregador mas que faz uso da palavra:
"Para sua informação as estrelas não dizem nada e com certeza não dão lição de moral, só fazem bem pra alma." p.197
Ilana pergunta ao primeiro marido já doente e necessitando cuidados por que ele se divorciara dela.
Alex responde:
"... dormiu com três divisões e agora espanta-se por ter recebido o divorcio..."
A Caixa-preta de Amós, me fez chegar ao sistema extra galáctico, através de uma rajada de milhões de estrelas. Confesso que não foi fácil juntar os papéis, livro, daqui e dali, mas, concluo, ao terminar este texto, que tudo foi proveitoso. No momento da abdução num relance vi o Saramago que tinha diante dele papel e tinta, mais nada. Só então entendi- se o autor tivesse falado de placa de madeira e goiva, estaria remetendo-nos a xilogravura. No caso de chapa de metal e buril, estaria referindo-se a gravura. Então era ele mesmo que fazia comentários sobre a obra de Dürer, no Evangelho...
Ouvi até um comentário de que Dürer resolveu muito bem a situação de forma, espaço e volume, pois proporcionou perspectiva em suas obras. Transgrediu e inovou!
Ouvi até um comentário de que Dürer resolveu muito bem a situação de forma, espaço e volume, pois proporcionou perspectiva em suas obras. Transgrediu e inovou!
Estou retornando mas não me sai da memória aquela ideia de que na Grécia antiga, os poetas (ainda bem) eram convidados para a mesa dos nobres. Lamentavelmente, jamais um artista que trabalhasse com as mãos, possuía esta regalia. Ele era um empregado, dormia em quartos da servidão e obedecia ordens ...
*Na Itália da Renascença, os artistas foram recebidos pelos nobres. Agora eles são considerados pessoas de bom trato. Puro interesse! Os nobres perguntavam-se: "como lembrarão de nós ? Quão pobres serão nossos túmulos, se neles não houver uma bela escultura?" Que venham os artistas!
* Walter Benjamim diz que a prostituta enquanto personificação da mercadoria,seria, a alegoria transformada em ser humano.*Penso que seria Mallarme a dizer que fotografar nas catacumbas é, literalmente, escrever com luz no reino das trevas uma mensagem luminosa escrita pelas constelações nas trevas do tempo.
*Há um afresco do sec III, encontrado na catacumba de Santa Priscila, em Roma, onde Maria amamenta seu filho. Cena repetida exaustivamente por Dürer, que fez mais de noventa obras em várias técnicas, de Maria e Jesus.
Luzia, é muito bom ler seus comentários, pois são olhares de artista o que você lança nas páginas dos livros. Todos lemos a partir de nossa bagagem cultural, nossa visão do mundo e da vida. E me parece que os artistas possuem olhos diferentes, são capazes de ver para além dos olhares comuns, e você tem sempre um olhar peculiar das leituras do Clube. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirUm abraço,
Olá caríssima amiga Luzia Veloso, teu olhar vai além das páginas impressas em belezas, parabéns - na oportunidade coloque o link para que os amigos possam a seguir, abraços do ALBERTO ARAÚJO
ResponderExcluirA arte nos desvenda sempre
ResponderExcluirinda que nos oculte a outros
resvala pelo olhar do artista
a compreensão de um mundo
em seu tempo, ou muito à frente
lá está o que não tinhas visto
decupado, traduzido,
seduzido e sedutor
De Angela para Luzia.
ResponderExcluirBrilhante Luzia:
Olha só, li o livro e deixei passar a citação de DÜRER e vem você e faz todas as conexões artísticas (além de psicológicas) entre os personagens de A CAIXA PRETA, de AMÓS OZ, e entre esse livro e o de Saramago "O Evangelho segundo Jesus Cristo" com relação ao artista citado. Que incrível, Luzia. Seus comentários são tão interessantes que tenho que ter cuidado para não me recolher para sempre e só esperar por ler seus textos sobre os livros que lemos no Clube de Leitura (rs). Parabéns e obrigada por repartir tanta sabedoria entre nós, seus leitores. Bjs e admiração da amiga ........ Angela Ellias.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLuzia, parabéns pelo excelente texto e observações.
ResponderExcluirQue bom que viu Dürer aí!
Sabia que vcs encontariam as conexões entre Saramago, demasiadamente humano, e Amós Oz. O olhar ao detalhe é próprio do arista!
Abraços
Elô
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